domingo, 30 de outubro de 2011

NAQUELE DIA




Pensava tê-la visto cruzar a rua, há poucos metros de sua casa, correu até a porta e subiu na grade do portão. Ainda era cedo para qualquer alucinação, nem bem o relógio marcava onze horas, o almoço nem começava a ser preparado e a primeira garrafa sequer fora aberta.
Não podia ter sido um delírio e a falta de evidências o perturbava, tinha certeza que era ela... precisava que fosse, e não por acaso, mas por uma despretensiosa pretensão, que por ali transitava, como quem recria caminhos e faz reviver sentimentos que nunca morreram.
Ficou pensativo por alguns minutos. Colocou-se a preparar o almoço, como quem pressentia uma visita de uma antiga novidade que lhe faria voltar a vida. Preparava tudo uma atenção especial: a salada colorida, com várias hortaliças, o cozido com pouco sal, mas algumas ervas finas, o arroz um pouco papento... tudo do jeito que ela sempre gostou. Fazer isso o fazia reviver o passado, a mantinha viva dentro dele. O mantinha prisioneiro de algo que nunca quis se libertar.
Vestiu-se de modo elegante, porém casual, como forma de estar bonito e apresentável, passando a impressão de que não esperava por alguém. Despiu-se da tristeza que lhe fazia companhia, sorriu como nem ao menos lembrava saber sorrir. Cingiu o ambiente, quarto, sala e cozinha, de música viva, que transpirava poesia. Sentou-se ao sofá, com os pés sobre a mesa de centro, assoviava, de modo a parecer espontâneo, o ritmo de canções velhas amigas.
Assistia-se refletido na televisão desligada, enquanto abria a primeira, a segunda, a quinta e a oitava lata de cerveja. Perdeu o apetite. A ansiedade de esperar pela visita não combinada o consumia e adormeceu por ali mesmo, no meio da tarde, enquanto o CD riscado repetia um mesmo verso de uma música triste e conhecida.
Quando acordou, a noite já caía, o dia se ia e levava consigo mais da sua vida, que aos poucos se esvaía, numa angustiante espera alimentada sempre com centelhas de esperança vazia. Perdia-se para ele mesmo, para a prisão que construía, sempre que esquecia o presente e vivia o futuro esperando pelo passado, ressuscitando a morte numa construção convergente do caminho que os unia.


sábado, 15 de outubro de 2011

DALI EM DIANTE PRA SEMPRE




Esperava ansiosamente o dia nascer. Mal conseguiu dormir naquela noite e acordou duas horas antes do relógio despertar. Repassou mentalmente uma dezena de frases de efeito que ensaiou para impressionar. As horas custavam a passar. Roia as unhas, chegou a rasgar um pequeno pedaço de pele que, por vezes, o distraía enquanto se ocupava da dor.
Tomou um banho demorado, olhou-se várias vezes no espelho, ensaiou sorrisos e olhares, e tão logo perfumou-se colocou o jeans e a camiseta nova que a semana toda planejou usar.
Os primeiros cantos dos pássaros começavam a ser ouvidos, alguns raios de sol penetravam ainda discretamente pela cortina entreaberta. Sua cabeça se via povoada de sensações, seus sentidos se embaralhavam, a respiração se tornava ofegante e os sorrisos espontâneos se emaranhavam naturalmente a paisagem.
Enfim havia chego o grande dia. Finalmente o longo período de três anos de namoro à distancia chegaria ao fim e a partir daquele momento ele poderia tê-la ao seu lado não apenas em pensamento.
Era uma manhã de dezembro e mal o dia começava o calor já oferecia o contraponto ao frio que envolvia sua espinha. Precisava vê-la, era urgente, era preciso, como se somente o seu sorriso pudesse tornar tudo real.
Chegou mais cedo a rodoviária, como forma de não ser surpreendido e a cada novo ônibus que chegava mais aumentava a ansiedade e mais ficcional parecia a realidade. O canto da unha do dedo indicador em carne viva o impedia de acreditar que era apenas um sonho. Confuso e embriagado em suas divagações decidia que não era um sonho, pois sonhos não podiam ser tão perfeitos.
Sentia os olhos pesados pelas poucas horas de sono e mal conseguiu identificar o ônibus que se aproximava, porém já sentia o perfume, o mesmo que embalara tantos momentos de felicidade a dois. Quando a porta se abriu e, seguidamente, passageiros que lhe pareciam coadjuvantes desembarcavam, um após um, como forma de delinear com maior emoção os ares de reencontro, um olhar tingiu de alegria, ou quem sabe alívio, aquele momento. Talvez até hoje não consiga descrever a intensidade e confusão do que sentiu. 
Ele sabia, os olhos dela diziam, os dois corações gritavam, aquele não era apenas mais um reencontro, não era só mais um beijo que se repetia, era o prenúncio de uma cena que renovaria todas as manhãs, dali em diante, até o fim dos dias.

domingo, 9 de outubro de 2011

HOJE JOGUEI TUDO FORA



Escrevi esta "divagação" em 11 de julho de 2005, 
revirando algumas memórias virtuais do
meu disco rígido encontrei-a e decidi postá-la.

Hoje joguei tudo fora, na esperança de não mais te encontrar.
Tem vezes que realmente são intragáveis os ares da sua ausência.
Mal consigo respirar que meus pulmões logo se enchem de sua presença.
Cada pincelada no papel se enche de cores tristes e sorrisos melancólicos.
Cada novo grito ecoa no vazio de um coração de paisagem sombria.
Tenho medo de não mais haver lugar para o novo.
De semear o vazio e cultivar o nada, para colher sabe-se lá o que.
A luz do dia me faz vulnerável, mas o quarto escuro não me esconde de mim mesmo.
O espelho reflete com exatidão o meu pesar.
E no lugar do reflexo um não-reflexo. 
E no meu lugar, tudo o que eu deixei de ser quando você me deixou.