domingo, 26 de junho de 2011

REFLETINDO SOBRE ÉTICA E CONTEMPORANEIDADE*


 * escrevi este texto agora pela manhã e embora ainda inacabado, 
talvez faltem algumas conexões, decidi publicá-lo mesmo assim.




Embora Ética e Moral – em suas origens, respectivamente, no grego e no latim – tenham o mesmo significado, isto é, costume, tradição, modos de ação de um grupo social, filosoficamente opera-se, em alguns casos, uma divisão enquanto categoria analítica do real. Enquanto Moral é designada enquanto o conjunto de ações de uma sociedade, comumente analisada mais do ponto de vista normativo, incutindo valores e normas de condutas aos indivíduos, a Ética passa a ser encarada enquanto uma “filosofia da moral”, ou seja, uma ciência voltada para a compreensão dessas condutas humanas, individuais ou coletivas, problematizando seus sentidos, significados, origens, funções práticas no cotidiano do grupo.
Marilena Chauí, filósofa brasileira, opta por trabalhar com essa abordagem do ponto de vista da investigação da ação ética e sua fundamentação, ou seja, os elementos que balizam tal comportamento. Nesse sentido, a autora parte do pressuposto de que a ação ética está pautada pelo antagonismo entre bem e mal, justo e injusto, virtude e vício, entre outros. Portanto pensar o indivíduo enquanto agente ético, isto é, enquanto ser histórico, capaz de emitir significados e construir a sociedade e a si próprio, implica uma postura ética de reconhecê-lo enquanto portador de um “fazer” histórico, ou seja, ética está intimamente relacionada ao reconhecimento da natureza racional, livre e responsável do indivíduo, que é o que o difere das demais espécies.
Destarte deparamo-nos com o debate entre autonomia e heteronomia dos sujeitos. Entende-se por heteronomia o princípio sociológico que leva o indivíduo a agir conforme uma lei ou conduta exterior a si, socialmente compartilhada. Mas se estas normas ou princípios vem de fora do indivíduo, como poderia ele ser feliz se muitas vezes ocorre uma opressão ou imposição de valores a sua conduta?
Trazendo a baila Aristóteles, observamos que o mesmo acena para a ética enquanto vinculada a felicidade humana, haja vista que a liberdade é condicionadora da felicidade, o conflito autonomia e heteronomia apenas poderia ser solucionado se o agente ético reconhecer os preceitos morais e valores de uma sociedade enquanto instituídos por ele ou a partir de sua participação nos debates que geraram tais princípios.
Com efeito, percebemos nesse breve panorama, até aqui apresentado, uma centralidade da ética enquanto respeitadora da liberdade do indivíduo e sua amálgama com o bem coletivo. Nesse sentido, toda e qualquer forma de violência ou ato contra a vontade e a liberdade de alguém, toda violação da natureza de alguma coisa ou pessoa – constrangimento, brutalidade, violência, coerção etc. – constitui-se em uma oposição a ética, pois atenta contra sua racionalidade, negando-lhe o direito de liberdade.
Na esteira desse pensamento, o debate chega até temas conflituosos no imaginário social da contemporaneidade: a criminalidade, o machismo, a homofobia, os problemas ambientais, assim como diferentes formas de preconceito e concepções equivocadas compartilhadas pela sociedade.
Devemos aqui ocupar-se e pensar o problema de uma maneira mais complexa, indagando várias construções acerca dos temas em questão pelos valores sociais convenientes a determinados grupos historicamente detentores de um poder e controle social, e sua vinculação com o aparelhamento e construção de uma coesão social a partir de referenciais que sirvam aos seus interesses.
Interessante, em uma sociedade do espetáculo – com bem delineado no livro de Guy Debord, com o mesmo título – como algumas verdades inquestionáveis, paradigmas da identidade brasileiro, mitos fundadores, devem se manter intocados, como forma de manter o status quo. A vitimização das vítimas encarna sentimentos que fazem os causadores da opressão sentirem-se talvez menos culpados: a pobreza comove, a violência impressiona, a exclusão arrepia, a criminalidade atemoriza... os sentimentos são levados as últimas consequências pela teatralização midiática. Somado a isso, tem-se a construção de uma mentalidade de combate a essas mazelas sociais, combate este que tenta resolver o problema sem indagar e combater as causas, pois aí estaríamos tocando em paradigmas sociais construídos de modo inequívoco pela ideologia dominante – a propriedade privada, a família, a tradição, o progresso, a religião etc.
A violência simbólica produzida por toda forma de corrupção, preconceito, negação da liberdade do outro, cria uma noção fragmentária de ética; existe uma ética empresarial, outra religiosa, outra familiar, outra política e assim sucessivamente. O triunfo do indivíduo, vivenciado com o Neoliberalismo, e seu narcisismo e hedonismo, criaram cada vez mais éticas individuais, baseadas em falsas noções de universalismos e coletivismos, sempre perecíveis e descartados, só é inaceitável aquilo que me faz algum mal. Assim indivíduos que se sentem ameaçados em suas verdades paradigmáticas se unem em torno da defesa de seus interesses, agora encenados enquanto coletivos.
Esse quadro de vitimização traz consigo uma idéia de que as vítimas devem continuar vítimas, enquanto os opressores passivos – como forma de serem piedosos e compassivos – se sensibilizam com a espetacularização assistida nos meios de comunicação e organizam passeatas contra a violência, mutirões contra a fome e outras práticas, necessárias, porém de efeito efêmero, pois não atuam no combate das raízes dos problemas. Chauí assinala que “para que os não-sofredores possam ser éticos é preciso duas violências: a primeira, factual, é a existência de vítimas; a segunda, o tratamento do outro como vítima sofredora e inerte”.
Pensar a realidade sob este prisma nos convida a compreender a ética enquanto ideologia, produtora de poderosas imagens de espetáculo para nossa indignação e compaixão, acalmando nossa consciência. Por outro lado, o que ocorre é uma negação da liberdade e dos princípios de autonomia as vítimas, pois estas, ao se precipitarem contra a moral que os oprime, passam a ser vistos como transgressores, pois se recusam a ocupar o lugar que a “ética oficial” a eles destinou, como por exemplo a prisão dos bombeiros no Rio de Janeiro, os ataques a homossexuais por todo o país, o assassinato de ambientalistas, a criminalização dos movimentos sociais (MST, sindicatos e outros).
Assiste-se a negação da cidadania, uma violência simbólica em escala cíclica e viciosa, onde apontar as causas para a exclusão e tentar combatê-las significa adentrar em nebulosos labirintos que colocam em cheque paradigmas e valores sagrados da nossa formação histórico-social. A violência passa pela causa da pobreza, da criminalidade, da exclusão e da negação de direitos, chegando até a vitimização dos agentes éticos, a tal ponto que, quando estes procuram por seus direitos e se erguem contra o sistema, lhes é negada a liberdade e transcendem a criminalidade. Tem-se aqui o “espiral do silêncio”, que vai se tecendo de modo a conseguir de modo bastante sutil desarticular toda e qualquer ação social verdadeiramente coletiva. Uma greve de professores é apenas para professores. Um protesto médicos é apenas para médicos. E assim sucessivamente.
Perdeu-se a noção de totalidade, de que a luta encampada é social, que os benefícios de uma educação, saúde, segurança, moradia, de qualidade são melhorias para toda a sociedade. Talvez já estejamos com o olhar fechado em torno de nós, isoladamente, que ao ver notícias como os protestos na Grécia, na Espanha, na França, não percebamos que as categorias profissionais e sociais nestes países, ocupam as ruas unidas, em torno de lutas comuns a todos.
Enquanto nossas verdades continuarem sendo divinizadas e intocáveis, e a satanizar as verdades do outro, enquanto um livre enfrentamento de ideais, público, aberto e democrático, não se construir, como numa ética comunicativa, defendida por Jürgen Habermas, continuaremos a levantar bandeiras éticas isoladas, sem perceber que todas elas são na realidade coletivas. Enquanto não nos apercebermos dessas concepções éticas relativas a liberdade e autonomia dos sujeitos, continuaremos silenciando vozes, que de quando gritam atemorizam e arrepiam , e nossas lutas por segurança, trabalho, direitos civis, igualdade para mulheres, negros, indígenas, portadores de necessidades especiais, homossexuais, pela proteção do meio ambiente, pela fauna, flora ou gnomos e duendes que nela habitam, continuarão esparsas e fragmentárias, para não dizer inócuas.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

DEFINIÇÕES EM METÁFORAS




Tão estranho quanto o dom de enxergar as vozes que me assistem nas mais absurdas horas é não conseguir dormir em monótonas madrugadas e desligar completamente em plena atividade física e cerebral. Como num transe que leva para outro lugar, uma sensação que me arrebata e faz perder a hora de voltar.
Muitas das palavras que definem minha vida não são minhas, mas é como se tivessem sido escritas por mim. Pensando bem, talvez muito de minha vida tenha se construído a partir de orientações de palavras que, no momento certo, na hora exata, em músicas sussurradas, votos de silêncio, livros folheados ou solos de guitarra, tenham fluído e se presentificado numa lógica que torna tudo coincidente demais para uma mera coincidência ou sem destinatário para se pensar em destino.
Assim como o rubro do fogo e o negro da alma parecem assombrar a solidão, a fogueira ilumina caminhos que dissipam as trevas da vaidade. A solidão se torna encontro e nós cada vez mais nos tornamos mais parecidos conosco mesmo: certos de nossos abandonos, corretos de nossas renúncias, crentes em nossas escolhas, repletos de nossos sentidos, com dúvidas de todas as certezas, preenchidos de todo vazio que pode existir... simplesmente nós mesmos.
Vejo tatuagens que nunca fiz, símbolos astecas que imagino compreender, metáforas que não dizem nada mas já me bastam, palavras que não se pronunciam e ainda assim as escuto, visões do passado presentes no futuro, cânticos religiosos entoados em rituais pagãos, opiniões que se alteram com os sinais dos tempos, roupagem que se metamorfoseia em cinzas e renasce em chamas, para tingir de significados tudo aquilo que outrora não significará nada.
Entranhas da alma, de pactos talhados em pulsões de vida e desejos de morte, Eros e Tanatos, estranho banquete que culmina em conjunção carnal, sem vícios ou virtudes, simplesmente desenhos do que somos, talvez algo que nunca estará pronto.

quarta-feira, 22 de junho de 2011.

domingo, 12 de junho de 2011

DIA DOS NAMORADOS




Se os sentidos só sentem saudade, 
somente sinceridade significa sentimento.
Somos simplesmente suspiros de silêncio,
sensatez sem santidade, 
suficientes de significados e sensbilidade.
Sabores de salvação sem suplício,
senhores sem súditos, sociedade sem sistema.
Sinais e símbolos sagrados, sabedoria suave e serena.


Para Georgia, mulher e menina, companheira e amiga, pessoa que admiro e que diariamente me ensina a ser um pouco melhor ... uma vida inteira ainda seria pouco para te amar.






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sábado, 4 de junho de 2011

MUDANÇAS





Pelas palavras que não morrem mesmo quando não ditas,
pois aquilo que se sente encontra meios eficientes de expressar tudo o que não se pronuncia.
Sob o risco de impor limites ao que se expressa em conjunto: olhares, timbre, pele e toque;
Infinidades de arranjos e combinações que não se esgotam em pura matemática.
Tudo aquilo que faz o eu ser nós, que torna meus os seus problemas
e me constrói enquanto homem para te ter como mulher por uma vida inteira.
Transformações rápidas e violentas, talvez nova adolescência em idade adulta.
Mudanças no meu rosto, no meu corpo, na minha mente...
O tempo escrevendo com expressões sutis em minha face.
Olheiras profundas, barbas brancas e responsabilidades assumidas com ternura.
Amar é um exercício diário, que se tece na constância do hábito,
mesmo que muitas vezes não percebamos de imediato a beleza de nossos gestos,
pois toda experiência de amor traz em si exigências de renúncia.

sábado, 21 de maio de 2011

RESPIRAR VOCÊ



 
a noite toda tentei dormir,
mas os olhos vermelhos custavam a fechar.
muitas mortes para uma única vida,
poucas saídas para um mesmo lugar.
muitas horas para uma única noite,
pouco sono para num sonho tentar te encontrar.
no peito, todo o ar dos pulmões já deu lugar a saudade,
não me canso de respirar você.
seus olhos na memória me faziam companhia,
perdido, insone, enquanto o sol nascia,
como se brotasse da terra, como se trouxesse um novo dia.
não sei se trazia o novo ou se o velho se extinguia.
não pinto novas paisagens nem rabisco antigos rascunhos,
só o que vejo é o teu rosto desenhando minha outra metade.

terça-feira, 17 de maio de 2011

OS HERÓIS DO PASSADO E SUA FORÇA POLÍTICA NO PRESENTE




O célebre escritor Lima Barreto, certa vez inferiu a seguinte frase: “O Brasil não tem povo, tem público”. Há de se convir que tal idéia se faz tão presente e atual quanto há praticamente um século. Mas as responsabilidades pelo escasso e reduzido envolvimento da população não é demérito unicamente do desinteresse das massas. Deve-se levar em conta uma série de fatores, entre os quais, todo uma aparato ideológico a serviço do Estado e das elites, que objetivam cada vez mais distanciar o povo dos centros de decisões políticas.
Remeto-me aqui há alguns elementos passíveis de discussão e que se fazem sentir no âmbito da educação, os quais em minha prática de educador e pesquisador da linha de História, Trabalho e Movimentos Sociais, se tornam perceptíveis mediante a uma análise mais detalhada. Tais elementos acabam por revelar parte da reprodução da dinâmica excludente do capital e dos mecanismos de despolitização popular – sem, é claro, desconsiderar a influência deturpadora da mídia, a competição desigual com formas mais atrativas do mundo virtual, o sucateamento do ensino, etc.
No caso específico do ensino de História, o que se percebe mediante uma análise mais centrada nos conteúdos dos livros didáticos e apostilas, bem como na atuação de muitos professores, é uma mera reprodução dos discursos oficiais, tomando os mesmos como verdades absolutas, reificando imagens de um passado construído a partir de grandes personagens, lendários heróis, líderes grandiosos, como Napoleão, Hitler, Tiradentes, D. Pedro I, Getúlio Vargas, J.K., entre vários outros.
Esse cenário é facilmente desconstruído diante de algumas poucas indagações: Tiradentes foi o único inconfidente? Por que apenas ele pagou com a vida? Talvez por ser o de menor condição social entre os demais? E quanto a D. Pedro, quem e quais interesses o envolviam por ocasião da “independência”? Houve participação popular? Outrossim, Getúlio Vargas apenas foi um homem de sensibilidade extrema ao criar a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) ou existia todo um cenário de greves e manifestações de trabalhadores por melhores condições?
Trabalhar com a supervalorização do papel histórico desses “grandes personagens” implica excluir a participação do povo no processo histórico, logo extraindo parte de sua capacidade de mobilização, deixando-os a margem, unicamente como receptores das benevolências de um mito que talvez nunca tenha existido tal qual retratado nos livros. O problema reside na internalização, muitas vezes inconsciente, do mito no imaginário popular, o que acaba por fazer com que as pessoas esperem passivamente a emergência de um novo herói, que revestido de luz irá salvar o país desse imenso mar de lama.
Não basta a crítica pura e simplesmente pela crítica. É necessário compromisso político – e isso não implica partidarismo –, criando condições reflexivas e produção de saberes que elevem o aluno à condição de cidadão e a escola a um local propiciador de um fazer político. O ambiente escolar deve conduzir a reflexão crítica da realidade vivida, bem como à necessidade de construir a política e a história diariamente, através de práticas cotidianas que desvelam relações sociais mais justas e não unicamente sendo empurrado a de quatro em quatro anos retirar o titulo de eleitor já empoeirado do fundo de uma gaveta, na esperança de dessa vez acertar.

domingo, 15 de maio de 2011

ANDAVA POR AÍ


Andava por ai, sem saber o que fazer, sem saber para onde ir... sem hora certa para parar, sem parada mesmo quando parava.
Procurava... nas esquinas, nas meninas, em corações vazios e belas embalagens. Encontrava sempre quem não me fazia encontrar-se.
Estava onde nunca estive: aeroportos e cinemas, estranhas estradas, inéditos enigmas, literatura de esquerda virando a direita na próxima esquina.
Estava na dicotomia da camisa do Ernesto, vendida no shopping, preço indigesto, mercado funesto, impensado protesto... Procurava Jesus, abandonava ao resto.
Toda semana por um sábado a noite, todas as noites por um olhar que só enxergava de olhos fechados, no vazio da memória, nas projeções freudianas, na metafísica dos cenários românticos que constroem sonhos que não me deixavam dormir.
Respirava fundo no vácuo e mergulhava no concreto raso.
Esperava o inesperado. Andava fugindo do espelho. Procurava você onde não estava, onde eu não me encontrava, estava na contramão da contradição, negava a negação, respirava aquele ar carregado de concreto abstrato, que faz pesar a consciência e teatralizar a memória, mudar os cursos da história, sepultar as trajetórias traçadas por outros, corroídas por traças, traídos por nossa própria traição.
Na fumaça dos cigarros, nas alucinações de noites insones, regadas a whisky sem gelo e suaves solos de guitarra e violinos distorcidos, vi você entrar... sem hora pra sair, decidida a ficar...
Tingindo com cores alegres as nuvens cinzas de um céu sem tom... tornando até mesmo o que não tem sentido suscetível de sensatez... me embriagando com o brilho do seu olhar... colocando sentido em tudo sem mudar nada... me fazendo entender, mesmo sem querer, que tudo já estava ali, pronto pra ser, do jeito que era, como tinha de ser.

domingo, 1 de maio de 2011.