sábado, 21 de maio de 2011

RESPIRAR VOCÊ



 
a noite toda tentei dormir,
mas os olhos vermelhos custavam a fechar.
muitas mortes para uma única vida,
poucas saídas para um mesmo lugar.
muitas horas para uma única noite,
pouco sono para num sonho tentar te encontrar.
no peito, todo o ar dos pulmões já deu lugar a saudade,
não me canso de respirar você.
seus olhos na memória me faziam companhia,
perdido, insone, enquanto o sol nascia,
como se brotasse da terra, como se trouxesse um novo dia.
não sei se trazia o novo ou se o velho se extinguia.
não pinto novas paisagens nem rabisco antigos rascunhos,
só o que vejo é o teu rosto desenhando minha outra metade.

terça-feira, 17 de maio de 2011

OS HERÓIS DO PASSADO E SUA FORÇA POLÍTICA NO PRESENTE




O célebre escritor Lima Barreto, certa vez inferiu a seguinte frase: “O Brasil não tem povo, tem público”. Há de se convir que tal idéia se faz tão presente e atual quanto há praticamente um século. Mas as responsabilidades pelo escasso e reduzido envolvimento da população não é demérito unicamente do desinteresse das massas. Deve-se levar em conta uma série de fatores, entre os quais, todo uma aparato ideológico a serviço do Estado e das elites, que objetivam cada vez mais distanciar o povo dos centros de decisões políticas.
Remeto-me aqui há alguns elementos passíveis de discussão e que se fazem sentir no âmbito da educação, os quais em minha prática de educador e pesquisador da linha de História, Trabalho e Movimentos Sociais, se tornam perceptíveis mediante a uma análise mais detalhada. Tais elementos acabam por revelar parte da reprodução da dinâmica excludente do capital e dos mecanismos de despolitização popular – sem, é claro, desconsiderar a influência deturpadora da mídia, a competição desigual com formas mais atrativas do mundo virtual, o sucateamento do ensino, etc.
No caso específico do ensino de História, o que se percebe mediante uma análise mais centrada nos conteúdos dos livros didáticos e apostilas, bem como na atuação de muitos professores, é uma mera reprodução dos discursos oficiais, tomando os mesmos como verdades absolutas, reificando imagens de um passado construído a partir de grandes personagens, lendários heróis, líderes grandiosos, como Napoleão, Hitler, Tiradentes, D. Pedro I, Getúlio Vargas, J.K., entre vários outros.
Esse cenário é facilmente desconstruído diante de algumas poucas indagações: Tiradentes foi o único inconfidente? Por que apenas ele pagou com a vida? Talvez por ser o de menor condição social entre os demais? E quanto a D. Pedro, quem e quais interesses o envolviam por ocasião da “independência”? Houve participação popular? Outrossim, Getúlio Vargas apenas foi um homem de sensibilidade extrema ao criar a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) ou existia todo um cenário de greves e manifestações de trabalhadores por melhores condições?
Trabalhar com a supervalorização do papel histórico desses “grandes personagens” implica excluir a participação do povo no processo histórico, logo extraindo parte de sua capacidade de mobilização, deixando-os a margem, unicamente como receptores das benevolências de um mito que talvez nunca tenha existido tal qual retratado nos livros. O problema reside na internalização, muitas vezes inconsciente, do mito no imaginário popular, o que acaba por fazer com que as pessoas esperem passivamente a emergência de um novo herói, que revestido de luz irá salvar o país desse imenso mar de lama.
Não basta a crítica pura e simplesmente pela crítica. É necessário compromisso político – e isso não implica partidarismo –, criando condições reflexivas e produção de saberes que elevem o aluno à condição de cidadão e a escola a um local propiciador de um fazer político. O ambiente escolar deve conduzir a reflexão crítica da realidade vivida, bem como à necessidade de construir a política e a história diariamente, através de práticas cotidianas que desvelam relações sociais mais justas e não unicamente sendo empurrado a de quatro em quatro anos retirar o titulo de eleitor já empoeirado do fundo de uma gaveta, na esperança de dessa vez acertar.

domingo, 15 de maio de 2011

ANDAVA POR AÍ


Andava por ai, sem saber o que fazer, sem saber para onde ir... sem hora certa para parar, sem parada mesmo quando parava.
Procurava... nas esquinas, nas meninas, em corações vazios e belas embalagens. Encontrava sempre quem não me fazia encontrar-se.
Estava onde nunca estive: aeroportos e cinemas, estranhas estradas, inéditos enigmas, literatura de esquerda virando a direita na próxima esquina.
Estava na dicotomia da camisa do Ernesto, vendida no shopping, preço indigesto, mercado funesto, impensado protesto... Procurava Jesus, abandonava ao resto.
Toda semana por um sábado a noite, todas as noites por um olhar que só enxergava de olhos fechados, no vazio da memória, nas projeções freudianas, na metafísica dos cenários românticos que constroem sonhos que não me deixavam dormir.
Respirava fundo no vácuo e mergulhava no concreto raso.
Esperava o inesperado. Andava fugindo do espelho. Procurava você onde não estava, onde eu não me encontrava, estava na contramão da contradição, negava a negação, respirava aquele ar carregado de concreto abstrato, que faz pesar a consciência e teatralizar a memória, mudar os cursos da história, sepultar as trajetórias traçadas por outros, corroídas por traças, traídos por nossa própria traição.
Na fumaça dos cigarros, nas alucinações de noites insones, regadas a whisky sem gelo e suaves solos de guitarra e violinos distorcidos, vi você entrar... sem hora pra sair, decidida a ficar...
Tingindo com cores alegres as nuvens cinzas de um céu sem tom... tornando até mesmo o que não tem sentido suscetível de sensatez... me embriagando com o brilho do seu olhar... colocando sentido em tudo sem mudar nada... me fazendo entender, mesmo sem querer, que tudo já estava ali, pronto pra ser, do jeito que era, como tinha de ser.

domingo, 1 de maio de 2011.