segunda-feira, 15 de agosto de 2011

LIÇÃO SOBRE O AR


 Quando ela acordou já era tarde, mas ainda se ouvia cantar os pássaros, ainda havia horas para os ponteiros marcar. Por um instante sentiu-se só, e consigo mesmo sabia que, naquele momento, não era boa companhia. Todos os batons, perfumes e maquiagens que adornavam o espelho que trazia seu reflexo lhe causavam estranheza e lhe faziam faltar o ar.
Como um gatilho puxado sem pensar, o cinzeiro, ainda abarrotado de cinzas de uma madrugada de ansiedade e cafeína, torna-se projétil capaz de despedaçar sua imagem refletida, na esperança de dilacerar o coração ou provocar outra dor que, por hora, a fizesse esquecer desta.
Entretanto, um espelho que se quebra não é a sua imagem que se vai e as gavetas da memória continuam repletas de lembranças que insistem em fazer companhia, tornando até mesmo o oxigênio asfixiante. Mesmo sozinha não conseguia estar só. Eram muitas imagens para um único olhar, um único rosto que desejava ver pela última vez, mesmo que a última vez sempre se tornasse a penúltima.
Entre um trago e outro procurava se iludir e repetia para si mesma que a dor que se sente não é por alguém que partiu, mas pelo que ficou... migalhas que ainda alimentam a esperança. Dias seguidos trancada no quarto, antigas músicas repetidas traziam novas lágrimas. Muitas alternativas e nenhuma saída: de Jesus a Led Zeppelin, de meditação a cocaína, tudo se torna obsoleto quando até mesmo os lençóis amassados servem de lembrança para o que se queria esquecer.
O suicídio era uma opção, mas o medo de não conseguir fugir de imagens que pareciam imortais lhe fez desistir e entender que morrer para si mesma e para o mundo, pode reconstruir um labirinto sem sentido.
Ao colar o espelho e recolocar os cosméticos na penteadeira percebeu que a mortificação pode ser sinal de ressurreição, ainda que não ao terceiro dia, mas que os meses, os anos e o oxigênio podem curar. Basta respirar... calmamente. Apenas respirar...

4 comentários:

  1. Adorei Prof.
    Se der dá uma passadinha no meu blog também.
    Abraço.

    ResponderExcluir
  2. simplesmente FANTÁSTICO!!

    muito bom seu texto... pela sua descrição parece que conseguimos reconstruir mentalmente a cena... linguagem poética, um sopro de vida e intensidade... abração LELO... do amigo, aluno e fã...

    Henrique Linhares

    ResponderExcluir
  3. Parabenss Lelo....vc conseguiu "explicar" sentimentos que mtas vezes nem quem os sente consegue descrever.....bjaum

    ResponderExcluir
  4. Primeira vez que eu li me lembrou muito um conto do Bukowski chamado "a mais linda mulher da cidade" ... Li de novo e pela escolha do tema e pela cronologia da narrativa me senti lendo um texto da Martha Medeiros...
    Conclusão : o senhor escreve muito bem, senhor Marcelo Hansen Schachta...Schtalaka...Schalkssdyta
    (não lembro como escreve o outro sobrenome)
    Sinto saudades da epoca das nossas conversas filosoficas, voltando pra casa depois das reuniões de segunda feira para a preparação da reunião de sabado do COJAC
    Continua escrevendo !!!
    bjooo =***

    ResponderExcluir