terça-feira, 26 de junho de 2012

O ENCANTADOR REINO DE MARK



Desabafos sobre educação, redes sociais e a falência múltipla de órgãos de muitos estudantes  (pois cérebro não deve ter vindo acoplado em tais seres*)

PALAVRAS CHAVES: facebook, educação, mercantilização, idiotices de minha parte.

Acordei cedo como de costume e saí para o trabalho. Escutava meu bom e velho rock n’roll a caminho de mais um dia cercado dos desafios que o universo da educação oferece. Foi uma manhã fatigante: conversas paralelas, falta de atenção e descomprometimento foram alguns dos ingredientes que começaram a dar o tempero para aquela quarta-feira. Durante o almoço, cansado, desabafava com minha esposa sobre alguns alunos que tirei de sala, sobre as mais absurdas perguntas – entre elas se “erudição era aquele negócio do vulcão” – e como tudo isso seria engraçado se não fosse triste.
Antes de retornar ao trabalho no período da tarde, acessei o facebook e percebi que aquele era o mundo perfeito. Ali todos eram felizes: muitas fotos de pessoas sorridentes, questionamentos sociais e políticos, defesa da natureza, filosofias de vida, protestos contra a violência, luta pela igualdade de direitos, pela defesa dos tamanduás travestis que uniram de cabeça para baixo em palmeiras do deserto... que universo fantástico! Era ali, nessa sociedade que eu queria viver, com pessoas cultas, engajadas, bonitas e simpáticas. Por um segundo cheguei a me arrepender da injustiça de duvidar do potencial de alguns alunos, de ter tirado de sala outra meia dúzia, pois ali no facebook era possível ver seu verdadeiro desempenho enquanto ser humano, toda sua sapiência. Mas o trabalho me chamou e não pude permanecer conectado.
Me entristecia ao ver aquelas pessoas tão bonitas fisicamente, todas desamparadas na vida real, tão fortes quanto suas fragilidades. Me desapontava ver aquelas pessoas que tanto tinham a dizer com seus meme’s e suas fotografias do Willy Wonka, tão emudecidas. O que houve com a boa samaritana que há pouco postava gif’s coloridos sobre Jesus e que agora atravessava a rua perante um pedinte sentado na calçada? Onde estava todo aquele ímpeto tranformador, aquela energia realizadora, aquela felicidade das fotos... Quero voltar ao facebook! Quero viver lá, me angustia ver a maioria das pessoas como elas realmente são: Zuckerberg aprimorou a criação, lá sim o paraíso o é em sua plenitude. Mas ainda tinha mais um período em sala de aula.
A noite começou com a concorrência desleal dos bares, dos “neymares”, dos “tchus” e dos “tchas”. Mas aquilo era apenas o começo da noite, durante o fim do meu dia. Fui interpelado por um aluno que questionou a linguagem difícil do texto daquela semana, com palavras como veracidade, aristocracia, inculcar e outras, de pequena densidade intelectual, mas que para os poetas das redes sociais eram labirintos sem saída, sem sequer habilidade para folhear um dicionário. Outra acadêmica me interpelou dizendo que deveria usar palavras “menas” difíceis. Doce bobagem a minha querer, com toda a delicadeza, corrigi-lo, dizendo-lhe que sempre era menos, independente se masculino ou feminino. Por alguns segundos, sua testa franzida, seu olhar de desconformidade, mostrava sua angústia, quando a mesma perguntou: “não existe ‘menas’ nem na previsão do tempo?”. Vasculhei as gavetas da memória, não possuía resposta, não encontrava relação. Foi quando ela disse que sempre ouvia no noticiário que “estávamos sujeitos a temperaturas amenas”. E até ao final da noite foi daí para pior.
Tive medo de dormir, pois poderia sonhar com estes anjos do mal que carregam cadernos e mal sabem escrever. Que acreditam que o conhecimento se dá por osmose. Que ocupam bancos universitários e conseguem diplomas – por um instante quase digitei conquistam, mas acho que a palavra se aplica a uma minoria. Na noite insone lembrei-me de médicos que esquecem instrumentos em pacientes, também de administradores que falem empresas, de contadores que erram seu imposto de renda... lembrei-me inclusive de um fisioterapeuta que para distensionar minhas costas me arrumou um problema no joelho. São esses profissionais que estão vendo os estudos prejudicarem seu desempenho no facebook.
Armados com um diploma universitário. Terrivelmente armados com um diploma universitário. Melhor seria dizer que estão armados com o sertanejo universitário, pois sua qualidade musical é proporcional a pobreza intelectual da maioria (para não ser excludente e correr o risco de ser processado vamos citar outros mais: axé, funk, forró, gospel, emo etc). Tem vezes que me vejo como o irmão mais novo travando o namoro da irmã no sofá. Aquele menino pentelho, que fica empatando a fod@#%! Pois os colégios e faculdades, em sua maioria, estão dispostos a vender o diploma, o aluno/acadêmico disposto a comprar, mas os professores, muitas vezes insistem em se enfiar no meio da educação, travando tudo com suas teorias, empirias, leituras e debates: moleques chatos e inconvenientes!
Ainda bem que o mercado é desumano – ao contrário do facebook, que é bonzinho – e trata de eliminar, muitas vezes sem dó nem piedade, os incautos e incapazes jovens. Desqualificados até mesmo para tirar a poeira de seu diploma que para nada lhe serviu, pois um pedaço de papel não tem o mínimo valor no universo virtual, pois um simples título já não é diferencial competitivo, é apenas exigência mínima. Fora do universo perfeito das redes sociais – ou, até mesmo nelas – o que te faz alguém melhor é a capacidade intelectual e não as “amizades verdadeiras 4ever”, as bebedeiras homéricas ou meme’s que só dizem o quão frívolo e imane pode ser o som emitido de sua caixa protetora do encéfalo.

* talvez o cérebro fosse apenas opcional e o consumidor optou por compensar em bunda ou músculos.

Terça-feira, 26 de junho de 2012.

9 comentários:

  1. Antecipadamente, peço desculpas a muitos ótimos alunos, pelo texto no blog. A crítica é dirigida apenas àqueles que se fecham em sua igorância.

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    1. "Pésso" a "lissênssa" de compartilhar este texto no meu mundo-face-virtual..rsrs..Fantástico! Disse tudo.

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    2. Sinto em dizer que é daí pra pior.

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  2. O desafio do educador: encarar públicos heterogêneos e com baixa formação. Onde está o gargalo? Na educação pública? Na ausência dos pais ou na falta de interesse dos jovens? Ainda acredito que este possa ser o principal ponto para a falta de motivação dos jovens em um aprendizado de qualidade.

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  3. Lelo... lelo... lelo...

    tão genial professor, portador de um conhecimento imenso... tem horas que deve ser triste se sujeitar ao bárbaros do conhecimento, deve sentir-se jogando pérolas aos porcos!

    Mas não desanimes, meu caro... tua inteligência, teu exemplo, tua personalidade e caráter, motiva muitos outros a seguirem em frente. Tenha certeza que entre os que passaram por suas aulas e souberam valorizar a preciosidade que ali está, hoje estão ótimos professores, advogados, médicos, pais e mães... enfim, pessoas com um caráter moldado com sua contribuição!

    Parabéns pelo texto, parabéns pelo blog... Até hoje agradeço pela semente da criticidade que foi plantada em mim graças as suas aulas!

    grande abraço

    Matheus de Decca

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  4. Sensacional professor...

    muitas vezes me envergonho dos meus colegas de administração... tem tempo pra perder com tudo, menos com um texto, um livro, com o estudo... não lêem nada, depois reclamam que a prova é difícil, tão fracos que durante a prova acham palavras como elitista, exceto e erudito difíceis... isso que todas aparecem nos materiais, são utilizadas nas aulas...

    O QUE MAIS ME ENVERGONHA E REVOLTA É QUE MUITOS ALI VÃO TER UM DIPLOMA, IGUAL AO MEU E MAL SABEM ESCREVER...

    Obrigado professor Marcelo, pelas aulas fantásticas, pelos conteúdos críticos e pela manteira entusiamante e intelectual de conduzir as aulas!

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  5. Obrigado pela importantes considerações, amigos!

    Continuem visitando o blog e interagindo com os textos, poesias e outros... Ainda bem que existem os poucos que ainda conservam em si o desejo pelo novo, pela mudança e pelos saberes...

    Um grande abraço a todos!

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  6. Opa, que beleza de texto amigo Lelo!!! Os tempos são outros, mas como
    Monteiro Lobato certo dia disse " Um país se faz com homens e livros "

    Abração!!


    Terça-feira, 26 de junho de 2012

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  7. O professor é uma das maiores vítimas do estresse profissional, já que seu trabalho é mal remunerado. Além disso, acaba se sobrecarregando para manter-se e não recebe o apoio pedagógico necessário (auxiliares nas salas, material pedagógico). Os pais delegam à escola a responsabilidade de EDUCAR seus filhos, a qual,por sua vez,repassa o pesado fardo ao professor. Ou seja, a cobrança vem de todos os lados, tanto a escola como a família fazem questão de deixar claro de quem é a culpa pelo fracasso do aluno.

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